Maio 31

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Uma Europa federal não é uma união de transferências

Por Leo Klinkers

31 de Maio de 2019


Federal Alliance of European Federalists

Uma Europa federal não é uma união de transferências

Leo Klinkers, 25 de Maio de 2019
Aliança Federal dos Federalistas Europeus (FAEF)

A União Europeia tem alguns Estados-Membros que não querem - ou não podem - cumprir os seus compromissos orçamentais. É por isso que existem transferências financeiras dos Estados-Membros ricos para os Estados-Membros pobres. Os opositores de uma Europa federal baseiam a sua opinião na ideia de que uma forma federal de governo reforçaria essas transferências financeiras. Ora, é exactamente o contrário que acontece. É precisamente com a criação de uma Europa federal que a actual situação conflituosa das transferências financeiras norte-sul pode chegar ao fim.

Para o compreender, temos de recuar até 1787, data da criação dos Estados Unidos da América. Após a Declaração de Independência de 1776, as treze antigas colónias concluíram uma confederação com base num Tratado, tendo cada uma construído o seu próprio Estado. Esta iniciativa revelou-se infrutífera. Não tinham dinheiro, não tinham uma boa governação, não tinham relações externas fortes e não tinham uma defesa comum contra ameaças externas. Ao fim de onze anos, verificou-se que o Tratado confederal era incapaz de prevenir ou resolver as crescentes tensões mútuas.

Em 1787, um grupo de cinquenta e cinco pessoas da Convenção de Filadélfia começou a executar um mandato legal do Congresso confederal para corrigir os erros desse Tratado. Ao fim de duas semanas, chegaram à conclusão de que tal não era possível porque o próprio Tratado era a causa dos seus conflitos internos e da sua fraca posição geopolítica. É o que acontece actualmente na UE com o Tratado de Lisboa.

A Convenção decidiu, por sua própria autoridade, deitar o Tratado para o caixote do lixo e elaborou a primeira Constituição federal do mundo. Em vez de se desmoronarem, acabaram por se tornar cinquenta Estados soberanos, unidos por uma Constituição federal, com uma posição geopolítica inequivocamente forte.

A fim de obter o apoio dos cidadãos dos treze Estados em conflito para a adesão à união federal, a Convenção de Filadélfia começou por submeter a Constituição federal à ratificação dos próprios cidadãos. Ao permitir que fossem os próprios cidadãos a ratificar a Constituição, aproximou-se o mais possível do conceito de "soberania popular" de Rousseau. No espaço de dois anos, os cidadãos dos treze Estados tinham ratificado a Constituição federal.

O dinheiro desempenhou um papel importante neste processo. O artigo VI da Constituição apresentada estipulava que os Estados que aderissem à federação seriam libertados das suas dívidas. A partir desse momento, essas seriam as dívidas da federação: uma liquidação única das dívidas. Mas, após a adesão à federação, eles passariam a ser responsáveis por suas próprias finanças. Era também um sinal para os credores de que as dívidas seriam pagas.

À parte: Herbert Tombeur e eu incluímos este acordo pontual sobre a dívida no nosso projecto de Constituição federal para a Europa. Remeto-vos para os nossos Documentos Federalistas Europeus e para o meu livro https://www.faef.eu/trailer/.

Isto, naturalmente, levanta a questão: onde é que a federação vai arranjar o dinheiro para assumir as dívidas dos Estados participantes? Na América, isso foi conseguido através do trabalho de Alexander Hamilton, um dos três autores dos Documentos Federalistas Americanos e que, pouco depois da ratificação da Constituição, se tornou o ministro das Finanças da federação. Hamilton foi capaz de ver a enorme montanha de dívidas não como um problema, mas como uma vantagem. Com, entre outras coisas, medidas fiscais práticas, incluindo impostos sobre bens de luxo como o álcool, a venda de terras e impostos sobre as importações, apesar da resistência inicial, recebeu dinheiro suficiente para saldar as suas dívidas. Conseguiu também criar um banco nacional para estabilizar a situação do crédito nacional e desempenhar um papel activo na dinamização da economia. Actualmente, a América federal detém cerca de 24% do rendimento nacional combinado de todos os Estados-Membros. A UE detém apenas 1%. Isto dá uma ideia do poder financeiro da parte federal da América.

Nota: no ponto 1.5 do relatório anual de 2012, o Banco Nacional dos Países Baixos explicou claramente por que razão e como o sistema federal americano conseguiu controlar a crise bancária e económica logo após 2008. A ingerência intergovernamental da UE no seu sistema financeiro ineficaz significa que a) ainda estamos longe de uma solução, b) as transferências financeiras do Norte para o Sul estão a criar cada vez mais conflitos e c) a UE não está em condições de resistir a uma eventual nova crise financeira mundial.

Uma liquidação única das dívidas dos Estados-Membros - à semelhança do exemplo dos EUA - torna atractiva a adesão a uma federação europeia. Corrige o erro cometido pelo Tratado de Maastricht, em 1992, ao criar o euro sem uma base federal, e também põe fim à disputa entre os Estados-Membros ricos da UE, que estão cada vez mais relutantes em colocar dinheiro nos buracos financeiros dos Estados-Membros pobres que não querem (ou não são capazes) de cumprir as obrigações orçamentais ao abrigo do Tratado de Lisboa e de outros acordos. (Aliás, não são apenas os países pobres que não estão a cumprir as suas obrigações orçamentais). Com um acordo tão pontual, uma Europa federal não é uma união de transferências.

Pode argumentar-se que este acordo dará aos países pobres um bónus pelo seu mau comportamento orçamental. Mas esse é o preço que a Europa está a pagar por não ter introduzido esta medida logo no Tratado de Maastricht. Se o tivessem feito nessa altura, não estaríamos agora nesta confusão financeira.

O orçamento federal necessário pode provir de três fontes: 1) dos direitos de importação, adaptando o sistema actual a um sistema federal, 2) dos impostos federais com redução simultânea das taxas de imposto nacionais e 3) da introdução do imposto Spahn a nível federal. O imposto Spahn é uma versão melhorada, mas ainda não introduzida, do rejeitado imposto Tobin, uma forma de tributação das transacções monetárias com o objectivo de controlar a volatilidade das taxas de câmbio.

A título de curiosidade, em 2004, o BCE rejeitou uma proposta da Bélgica para introduzir a taxa Spahn na Bélgica, alegando que seria contrária ao Tratado de Lisboa. Na minha proposta - de introduzir a taxa Spahn como uma das fontes de um orçamento federal - já não está em causa um Tratado de Lisboa e esta forma de tributação poderia ajudar a pôr fim à distribuição desigual dos encargos financeiros entre os Estados-Membros.

Convido os leitores a apresentarem ideias para melhorar estes recursos para um orçamento federal dos Estados Unidos da Europa que está a ser criado. As ideias sobre a melhor organização institucional do sistema financeiro federal também são bem-vindas.

A este respeito, devemos guiar-nos pelas palavras de Romano Prodi, Presidente da Comissão Europeia de 1999 a 2004 e Primeiro-Ministro de Itália de 2006 a 2008: "Grandes reformas farão uma grande Europa".

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